terça-feira, 15 de setembro de 2009

Três décadas se passaram


Quando cheguei ao escritório ontem, segunda-feira, encontrei meu amigo cacto triste. Perguntei o que tinha acontecido. Ele me disse que estava magoado porque eu não o convidei para a minha festa de aniversário, no sábado. Eu disse que o mundo ainda não estava preparado para a revelação de nosso segredo. Que ninguém acreditaria que um pequeno cacto como ele era capaz de se comunicar com um humano. Todos pensariam que eu sou louco. Pior: se acreditassem, havia um risco bem grande de que ele acabasse confiscado pelo governo e retalhado por cientistas em busca da resposta para a sua habilidade. Ele retrucou a minha baboseira com um palavrão.
Algumas horas depois, mais calmo, cacto quis saber como foi a festa. Disse a ele que me considerava um cara de muita sorte por poder reunir tantos e tão bons amigos no dia do meu aniversário de 30 anos. Cacto não resistiu e fez um comentário desagradável sobre a minha idade, avançada segundo ele. Ameacei arrancar seus parcos espinhos com uma pinça. Ele sossegou.
Como o amigo Douglas bem descreveu na festa, a chegada aos 30 anos é marcada por uma sensação estranha, como se alguém batesse com um carimbo bem na sua testa. O que diz o carimbo varia de pessoa pra pessoa. Eu ainda não consegui ainda entender direito o que ele diz a meu respeito. Só espero que não seja “corno.”
De qualquer maneira, expliquei ao meu amigo que os últimos dias têm sido de muita reflexão. De repente, ganhou força a vontade de fazer uma grande mudança na minha vida. Vontade alimentada por uma sensação cada vez mais viva de que o tempo está passando e, junto com ele, as oportunidades.
Cacto quis saber se, quando criança, eu me imaginava onde estou hoje aos 30 anos: jornalista, casado, pai de um garoto...Contei a ele que, na infância, os humanos costumam sonhar, às vezes, com as profissões ou situações mais absurdas. Dinheiro, fama, sucesso, nada disso entra na equação que resulta nesses desejos pueris. Apenas alegria, prazer...O meu filho de cinco anos, que adora sorvete, quer ser um sorveteiro quando crescer.
Eu, a princípio, queria ser um lobisomem (lobisomem não é profissão, mas, naquela época, eu não sabia nem o significado da palavra profissão). Me lembro de uma época, aos seis ou sete anos, em que eu só saía de casa para brincar na rua acompanhado das minhas orelhas pontudas feitas de papelão e de uma daquelas dentaduras brancas de plástico, com caninos enormes.
Um pouco mais velho, propalava ao mundo que ali estava um futuro cientista. No vasto quintal da minha avó, onde passei a maior parte da minha infância, ficava horas caçando insetos e pequenos animais para, depois, dissecá-los. Está vivo até hoje em minha memória o dia em que consegui capturar uma libélula e o espanto que senti ao analisar aquele bicho estranho. Fazia parte de todos os clubinhos de ciência. Até alguns anos atrás, ainda conservava, na caixa de antigas lembranças, a carteirinha de associado da Ciranda da Ciência, projeto divulgado pela Globo nos anos 80 e patrocinado pela Hoechst. Assim como um kit de química, com tubos de ensaio, pipetas e um monte de frascos com líquidos que eu usava para fazer as misturas mais esquisitas.
Cacto me chamou de “nerd nostálgico.” Eu disse que deixaria de aguá-lo pelos próximos três dias. Ele se desculpou e pediu que eu continuasse. Quis saber quando foi que eu decidi que seria um jornalista.
Essa é uma história engraçada. Perto de concluir o ensino médio, eu não tinha a mínima ideia do que queria para a minha vida. Meu pai insistia para que eu cursasse engenharia química, ignorando a minha extrema falta de intimidade com a matemática e todas as outras ciências exatas. Eu, por outro lado, sabia que a minha única chance de ter uma profissão seria com a opção pelas humanas. Depois de pensar um pouco, constatei que os cursos que mais me atraíam eram jornalismo e administração de empresas, apesar de saber absolutamente nada sobre os dois. Prestei o vestibular para os dois cursos em duas universidades diferentes. E decidi que faria a matrícula na primeira que me aprovasse. E assim foi.
Cacto soltou mais um comentário irônico. E disse que preferia esturricar no sol a ter que ouvir mais um minuto dessa história chata.

2 comentários:

  1. Fabião, site bacanudo. Texto agradabilíssimo. Longa vida a "Meu amigo é um cacto". Tornar-me-ei assíduo.

    ResponderExcluir
  2. Fa, muito bom, só acho que a relação entre você e o seu amigo cacto está um pouco desgastada, coitadinho, ele não pode nem falar, hahahahah.
    Rí o tempo todo, mas falando sério, esse negócio de idade pesa mesmo, em certos momentos... e principalmente estes que antecendem o aniversário são mais sombrios, nos faz pensar em tudo que poderia ser e não foi. Pense que você está ficando melhor com o tempo e bola pra frente...
    Amei o blog... beijinhos

    ResponderExcluir