quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O Chefe

Eu ainda era estudante de Jornalismo quando apareceu a oportunidade de ganhar um bom dinheiro como propagandista de um laboratório farmacêutico.


O salário seria suficiente para pagar a faculdade e ainda sobraria bastante para cerveja, canabis e combustível para a balada.

Durante pouco mais de um ano, carreguei uma mala preta enorme por consultórios da região. Entregando amostras e brindes para médicos e conhecendo muitas secretárias gostosas.

Meu chefe me adorava e tinha plena confiança no meu trabalho. A ponto de não precisar mentir quando dormia além da hora e me atrasava.

Eu encarava o emprego como algo temporário, que me ajudava a pagar as contas mas que manteria apenas até que aparecesse a primeira oportunidade de atuar como jornalista.

Mesmo assim, me dedicava o suficiente para conseguir bons resultados.

Tinha 21 anos, resultados para mostrar e era amigo do chefe. Não deu outra: com pouco mais de um ano de empresa, fui promovido para gerenciar toda uma região.

Agradeci, mas pedi demissão.

(Cacto me interrompe e diz que essa história só confirma aquilo que ele já sabia há muito tempo: eu sou muito burro! E pede para eu parar de encher seu saco.)

Genésio era o nome do meu chefe. Depois que deixei o laboratório, nos encontramos uma única vez. Há anos, perdemos o contato.

Lembrei-me dele hoje ao analisar a conduta do meu atual chefe.

Um cara que eu até acho legal, mas que deveria ser proibido de chefiar uma equipe de jornalistas.

Explico:

Como trabalhamos em cidades diferentes, tenho contato com meu chefe por e-mail e telefone.

Faz uma semana que não nos falamos. Eu até tentei telefonar para comentar algumas idéias de pauta, mas ele sempre estava ocupado. E nunca retornou as ligações.

Como se não bastasse, em umas das ligações tive que ouvi-lo resmungar um certo descontentamento com a minha insistência em trocar algumas palavras com ele.

Meu chefe também é craque em desmotivar seus subordinados. Umas das mais recentes demonstrações disso foi durante o segundo turno das eleições, quando telefonei para “vender” uma pauta sobre a disputa ao governo de um Estado do nordeste, que eu cobria em loco. Ele recusou a pauta fazendo o seguinte comentário:

“Hoje de manhã eu fui ao banheiro e fiz um cocozão. E tenho certeza que, quando dei descarga, a minha bosta foi parar aí.”

Não precisava dizer mais nada. Desisti de cobrir as eleições e fui para a praia.

Um chefe que não demonstra empolgação com propostas que faço. E que reclama oficialmente nas avaliações periódicas da empresa se reclamo das reportagens aprovadas mas não publicadas ou simplesmente cobro uma explicação para o não aproveitamento delas.

Assim como na época em que deixei o laboratório, estou novamente diante de uma encruzilhada e preciso tomar um caminho que me leve numa direção diferente.

Só que, ao contrário daquela oportunidade, o meu chefe é justamente um dos motivos que me fazem querer deixar para trás uma empresa à qual me dedico há mais de seis anos.

(Cacto diz que meu chefe está certo por se negar a me ouvir. Diz que, além de chato, eu sou um chorão. E pede que eu deixe logo a empresa, para que o coitado do meu chefe tenha um pouco de paz. Eu digo ao Cacto que, se eu for embora, levo ele junto comigo. Xiii, Cacto começou a chorar...)