sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O amigo de infância

O rancor de cacto é inversamente proporcional ao tamanho do seu corpo. Acreditam que até hoje ele não perdoou o fato de não tê-lo convidado para a minha festa de aniversário?

- Já se passaram duas semanas, cacto. Deixa isso pra lá.

Não adianta. A coisinha [se ele soubesse ler e visse que me refiro a ele dessa maneira, daria um jeito de me espetar um dedo] simplesmente não consegue relevar.

Eu precisava trabalhar, então acabei trancando o coitado no banheiro do escritório. Claustrofóbico [herança do tempo em que vivia em uma pequena redoma de plástico], cacto implorou para que eu o tirasse de lá. Prometeu me deixar em paz.

Além de não ter sido convidado para a festa, o pequeno, percebi, ficou com uma pontinha de ciúme de um amigo meu de Mococa que estava presente lá. Malagute, colega de infância, hoje vive em São Paulo. Apesar de tão próximos, fazia mais de cinco anos que não nos falávamos. Por isso, foi emocionante poder revê-lo no dia do meu aniversário.

Durante o nosso bate-papo, lembramos de algumas histórias do começo de nossas vidas lá no interior. Inclusive a nossa incrível aventura pelo mundo do rádio. A rádio DJ FM, que fundamos depois de roubar um pequeno transmissor do meu irmão. A capacidade do aparelho era suficiente apenas para levar as músicas da sala, onde ficava o estúdio, até o quarto, a uns três metros dali. Mas me lembro da nossa felicidade - minha, do Malagute e do Juninho, o terceiro mosqueteiro -, quando liguei o meu velho walkmen e sintonizei o nossa rádio.

Passávamos horas escolhendo e tocando músicas, apresentadas com pompa pelos três locutores - que também eram os três únicos ouvintes. A seleção ia de Information Society a Bad Religion; de Pet Shop Boys a Faith No More. E como nenhuma rádio vive sem propaganda, cada um doou uma camiseta branca que eu tratei de pintar, nas costas, em laranja, o indefectível símbolo da rádio DJ fm: DJFM. Desfilávamos orgulhosos com elas pela Associação Esportiva Mocoquense, o clube onde os jovens da cidade se reuniam.

Malagute sozinho foi protagonistas de histórias tão incríveis quanto...incríveis. O rapaz foi capaz de repetir a 5ª série três vezes. Repito: três vezes. Eu me lembro da mãe do coitado, desolada, sem saber o que fazer com ele depois da terceira reprovação.

A covardia também foi um traço marcante do garoto. Certa vez, um desses briguentos decidiu que ia dar uns tapas no Malagute. Naquela época, não era preciso ter motivo pra arrumar briga com alguém. E o meu amigo realmente não tinha feito nada para o então adversário. Mesmo assim, o outro decidiu que ele deveria apanhar. Malagute ficou um ano sem sair de casa. Só ia pra escola e, de vez em quando, nos acompanhava num passeio de bicicleta ali pelo bairro, de modo que, em uma emergência, pudesse rapidamente se esconder em segurança.

No dia em que completou um ano de semi-clausura, eu e o Juninho conseguimos convencer o Malagute a sair pra tomar um lanche no Bina, a lanchonete mais badalada da cidade. O nosso argumento foi que o tal que o havia ameaçado provavelmente nem se lembrava mais da cara dele.

Pois além de covarde Malagute era muito azarado. E quando a gente deixava o Bina e caminhava pela rua em direção a nossas casas, eis que damos de frente com o oponente, acompanhado de alguns amigos. O Malagute, então, levou os tapas prometidos.

O lado bom é que ele pode voltar a sair depois desse dia.

- Cacto, você tá me ouvindo?

Dormiu.

3 comentários:

  1. Ah, então é com esses caras que tu fazias troca-troca na infância, seu safado...

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  2. Fa... como sempre... muito bom... beijinhos

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  3. Ainda acho que esse negócio de "amigo de infância" do interior aparecer em festa de anivesário (e ainda por cima em lugar tão longe) muito suspeito. Parece tiozinho solteirão que, de repente, aparece com um "sobrinho" na festa da repartição.

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